Psicodélico: USP TESTA SANTO DAIME NO COMBATE À DEPRESSÃO

terça-feira, 25 de novembro de 2008

USP TESTA SANTO DAIME NO COMBATE À DEPRESSÃO

USP TESTA SANTO DAIME NO COMBATE À DEPRESSÃO

Duas mulheres, com problemas crônicos de depressão e que não respondiam bem ao tratamento convencional, foram os primeiros pacientes voluntários de um estudo piloto aberto, pioneiro em todo o mundo, que vai testar a eficácia da ayahuasca – uma poção feita com o cipó Jagube e com a folha do arbusto Rainha, utilizada pelos adeptos do Santo Daime. O estudo que acompanhará, inicialmente, outros seis pacientes, é coordenado pelo professor Jaime Eduardo Cecílio Hallak, do departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.

- Depois desse estudo com oito voluntários, vamos propor ao comitê de ética a ampliação até 60 pacientes. Os resultados com os dois primeiros casos foram fabulosos - garante Hallak. Ele conta que as pacientes chegaram tristes, deprimidas, sem iniciativa, desanimadas, sem apetite e com insônia.

- Demos a ayahuasca e elas ficaram em observação no hospital durante três dias, por questão de segurança.

O pesquisador conta que depois de tomarem a ayahuasca, as pacientes tiveram visões semelhantes às relatadas pelos usuários do Santo Daime. E também sensações e pensamentos de bem-estar. Essas visões e sensações duraram de 40 minutos a uma hora. E logo depois veio a boa surpresa.

- Aí fica o que chamo de efeito fabuloso: as pacientes não estavam mais tristes, nem deprimidas. De imediato, as duas senhoras, alegres, disseram que passaram a encarar a vida com novo ânimo.

Para Jaime Hallak, as sensações de alegria e bem-estar delas, que ocorreram rapidamente – equivalem ao resultado normalmente obtido com o eletrochoque – procedimento utilizado quando os demais não funcionam - mas depois de 5 a 6 sessões de aplicação.

- Nesse caso de uma dose única, cujo efeito perdura por quatro a cinco dias, é um dado importante. Como é um teste inicial, não demos as doses subseqüentes e elas voltaram ao tratamento convencional.

“Banho” de serotonina

O que aconteceu no cérebro delas?O pesquisador explica que a poção ayahuasca contém duas substâncias já conhecidas: uma delas é a dimetiltriptamina e a outra é a harmina.

- A harmina, por si só, já é um antidepressivo potente, mas leva de 15 a 20 dias para funcionar. Então o bem-estar imediato não é provocado por ela, mas pela dimetiltriptamina, que causa essas sensações.

Segundo o pesquisador, a substância “dá um banho” de neurotransmissor no cérebro - que é a serotonina - e o paciente tem aquelas visões e a sensação de bem estar.

- Os antidepressivos disponíveis atualmente aumentam a disponibilidade do neurotransmissor serotonina. Mas a dimetiltriptamina ‘inunda” o cérebro de serotonina e provoca de forma muito mais acentuada o mesmo efeito dos antidepressivos. Depois vem rápido o bem-estar: esse é o grande achado.

Interações

O próximo passo é delicado: será preciso começar a ajustar a posologia, determinando a dose que deve ser dada, de modo a evitar muitas visões, mas garantindo a melhoria da depressão e mantendo sempre a sensação de bem-estar.

A ayahuasca não tem contra-indicações formais, mas não deve ser usada fora do controle hospitalar e médico, como antidepressivo. Pode ser contra-indicada se a pessoa já estiver tomando antidepressivos, para evitar efeitos colaterais. Além disso, a substância harmina é inibidora de uma enzima que temos no organismo a MAO - monoamina oxidase. É a mesma substância encontrada em alguns antidepressivos, que exigem do paciente uma dieta especial. Nesse caso, para consumir a ayahuasca, o paciente precisa fazer uma dieta sem banana, presunto, queijo curado, entre outros alimentos que podem interagir negativamente com a substância.

Santo Daime

Hallak, médico formado na Universidade Federal de Uberaba - mas com carreira de pesquisador feita na USP, com pós-doutorado na Inglaterra, disse que não é praticante do Santo Daime. Mas depois de manter contato com os freqüentadores da igreja de Ribeirão Preto, o Centro Fluente Luz Universal Pedro Nunes Costa, conheceu histórias de pessoas que foram dependentes de álcool e drogas e que abandaram naturalmente o hábito.

- Dependência de drogas ou álcool está ligada a quadros depressivos. Daí veio a idéia de pesquisar a ayahuasca como antidepressivo, embora já existam estudos com outros grupos mostrando o abandono dessa dependência depois de entrar no Daime - lembra o especialista.

Paralelamente, o grupo de Ribeirão está fazendo parceria com um grupo do sul do país que estuda detalhes do mecanismo de atuação da ayahuasca em animais. Depois do término do estudo-piloto, com oito pacientes - todos voluntários- os resultados serão analisados. Para completar o grupo de 60 voluntários, será preciso localizar pacientes depressivos que não estão sendo beneficiados pelo tratamento atual e querem ajuda.

Alucinógeno

O Santo Daime, apesar de estar enquadrado como alucinógeno, não causa dependência. Mas o consumo é liberado pelo Ministério da Saúde apenas para uso religioso. Já o Ministério da Cultura, ainda na gestão Gilberto Gil, transformou o Santo Daime em patrimônio histórico nacional.

Jaime Cecílio Hallak observou que todas as pessoas que tomam ayahuasca - seja na igreja ou no laboratório - têm as mesmas visões simbólicas ligadas a questões da natureza, com imagens de espíritos e seres da floresta.

- A pessoa não perde a consciência nem o controle e sabe que está tendo as visões.

Doença já é a quarta causa de incapacitação no mundo

Em 2020 a depressão será a segunda causa de incapacitação no mundo, segundo previsão da Organização Mundial da Saúde.

Hoje é a quarta causa - lembra o psiquiatra Silvio Luiz Moraes, chefe da equipe da Enfermaria de Psiquiatria do HC de Ribeirão Preto.

Ele admite que tem ocorrido mais casos da doença e que aumentou o número dos pacientes refratários aos tratamentos convencionais.

Jaime Hallak acredita que os critérios em diagnóstico melhoraram muito. Mas também existem evidências de que está aumentando o número de casos de depressão, por questões psicológicas da sociedade moderna.

E comemora que diminuiu o preconceito.

- Só da gente conversar sobre depressão para um jornal, mostra que as pessoas não têm mais vergonha de falar que vão a um psiquiatra. Hoje até parece que é status: eu vou lá no meu psiquiatra. Um dia estava conversando com um rapaz e ele falou: “tenho meus dois médicos, meu psiquiatra e meu terapeuta”.

Múltiplas

As causas das doenças psiquiátricas são consideradas multicausais.

- A pessoa pode ter uma predisposição genética, mas não é suficiente para determinar que a pessoa ou o filho dela terá depressão. Mas aumenta a chance desse filho ter o problema em comparação com o filho de uma pessoa que não tem depressão. Mas só isso não é suficiente para explicar- disse.

Segundo o pesquisador, é preciso a ocorrência de eventos na vida da pessoa “que propiciem essa carga genética de se expressar. E essa expressão dessa carga genética, significa que você tem um desequilíbrio bioquímico”.

Mas não é só ele: por isso, tratar depressão não é só dar remédio, diz o médico. “Acho imprescindível, além do tratamento medicamentoso ou biológico, fazer o acompanhamento psicoterápico.”

Doença crônica

A depressão é uma doença crônica: antigamente se acreditava que ocorreriam apenas episódios.

- Hoje em dia, pode ter gente que não concorda com essa visão, acredito que a depressão é recorrente. Quem teve um episódio, tem chance grande de ter um segundo episódio. Quem teve um segundo, quase certamente terá um terceiro; quem teve um terceiro, certamente terá um quarto episódio; cada episódio aumenta o risco: isso é biológico, não é psicológico. Por isso também não posso tratar depressão só com psicoterapia. Tem que tomar as medicações e fazer os tratamentos biológicos, afirmou o pesquisador Jaime Cecílio Hallak.

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