Psicodélico: PLANTAS ADIVINHATÓRIAS

domingo, 13 de janeiro de 2008

PLANTAS ADIVINHATÓRIAS


PLANTAS ADIVINHATÓRIAS
por: ARADIA


No exercício do xamanismo, a experiência mostra que a substância psicodélica, (atualmente chamada pisicoativa) atua como um ajudante, um aliado, num movimento que, para o sujeito, não é mais que o retorno às suas próprias origens. É certo que tal acontecimento transtorna as categorias da razão e, inclusive, às vezes exige, como veremos, que se vigiem as funções normais do corpo. Podemos agora encarar sem desvio a realidade dos poderes do espírito e o caminho da sabedoria que conduz até lá.

Certamente, não são raros os caminhos transversais que desviam daquele caminho do meio, e por isso mesmo, do equilíbrio que representa. Porque, se encararmos as coisas de frente, se tivermos esse trabalho, essa paciência infinita, somos levados a reconhecer que a realidade, o fenômeno, que chamamos de adivinhatório, está inserido na própria trama da nossa vida quotidiana, e que, se manifesta na nossa própria experiência da existência, por pouca, por menor que seja, a atenção dada.

Aqui, trata-se de dar um salto no desconhecido, para além das técnicas que, em suma, tem por objetivo ativar a receptividade psíquica adivinhatória. Para além das ervas de beberagens e da fumaça. Para além de rituais de todos os tipos, sejam conscientes ou não. Para além de toda idéia preconcebida do que ocorre aqui e agora. Einstein dizia que 80% do nosso cérebro são "silent zone". Energias misteriosas, reprimidas, desempregada ou subempregada. As camadas profundas, subcorticais do cérebro pensante e, sobretudo a parte posterior, são estas zonas silenciosas. É preciso mencionar também, o tálamo e hipotálamo, que desempenham uma função essencial na regulação do sistema central e parecem tê-la também nos "estados de atenção". De resto, mesmo as regiões e as conexões cervicais que usamos habitualmente são submetidas a uma atividade rotineira, monótona e ilusória. Temos olhos e não vemos, ouvidos e não escutamos...

As substâncias que falarei são os produtos da terra virgem: ervas, cogumelos, lianas, cactos. Desde a aurora dos tempos, e por toda a superfície do planeta, a humanidade tem associado a absorção do princípio ativo dessas plantas para obter certos estados e consciência onde o ser descobre sua verdadeira fisionomia, ao unissono das vibrações do cosmos que o cerca. A grande abertura provocada pela planta sagrada procura, entre outras coisas e como simples efeito, o exercício das faculdades adivinhatórias porque o sistema nervoso central e o conjunto de zonas profundas do cérebro são plenamente despertadas. A realidade não ordinária, o fantástico, o sagrado, a magia, são vivas desde que o ser, misteriosamente ativado por uma planta humilde, um pequeno cogumelo, ou um cactos amargo, vibre plenamente em seu meio.

Destas substâncias vegetais conhecemos mais de uma centena no Novo Mundo e muito menos na velha Europa, onde as tradições as perderam; mas não há duvida alguma de que elas também estiveram presentes ali em grande número. Escolhi para examinar o uso, cinco destas plantas adivinhatórias, notadamente através das informações que me pode dar as práticas xamânicas, ainda vivas hoje. São elas: uma folha, o tabaco (muito usado pelos índios), uma liana, o yage, um cactos, o peyote, e dois cogumelos, o psilobeo e a amanita muscaia (mata-moscas).

É preciso citar para lembrar a vasta panóplia de plantas adivinhatórias à disposição da farmacopéia medieval e que era bem conhecida dos sábios, bruxas, mágicos, feiticeiros, etc... As plantas mais citadas nos velhos formulários de bruxas, mágicos, etc...são a datura, o meiodentro, a mandrágora, e a beladona (da família das solanáceas), mas também o visco, a éfedra, o acônito, a arruda e a erva dos loucos.

Todas estas plantas eram mais freqüentemente usadas na forma de ungüentos, cuja preparação era guardada em segredo, também em consideração dos riscos que o usuário corria. Acrescentemos que, foi preciso esperar por Sigmund Freud para que alguns dos efeitos da coca fossem conhecidos na Europa através do seu alcalóide, a cocaína, isolado em meados do séc XIX. A papoula já é conhecida do Ocidente desde os tempos dos gregos antigos. Existem, por último, duas substâncias que, sem duvida, são as drogas mais utilizadas no mundo, juntamente com o tabaco, o chá, e o café: são a planta, canabis sativa, e o álcool.

O Psilocibo
A redescoberta do cogumelo sagrado dos Maias - e o acesso à sua consumação ritual - por R. Gordon Wasson e sua esposa, a partir de 1953, na Sierra Mazateca, depois a colheita sistemática, a cultura em laboratório e a análise detalhada das diferentes espécies de cogumelos lamelares do gênero Psilocybe, sob os auspícios do Prof: Roger Heim, do museu de História Natural de Paris, representam um acontecimento primordial para todas as pessoas interessadas numa abordagem ao domínio complexo das plantas adivinhatórias. Elas dão acesso às experiências iniciáticas que remontam a mais alta antiguidade e, sem dúvida, até mesmo à pré-história.

Os primeiros indícios arqueológicos foram descobertos por Wasson no sítio de Teotihuacan, não muito longe da Cidade do México. Trata-se, em particular, dos afrescos de Tempentitla, que representa o paraíso de Tlaloc, Deus do trovão e da chuva e onde estão reproduzidos os cogumelos sagrados - bem como um "Homem pequeno" (o gênio do cogumelo?), agachado debaixo de frondosa árvore, acima da qual paira uma serpente - o "dragão" que guarda tradicionalmente a Arvore da Vida.

Restava aos Wassons descobrirem que espécies de cogumelos eram adoradas. Informantes lhes disseram que o culto ainda era praticado na Sierra Mazateca, no Estado de Oaxaca. Além disso, viajaram até lá em 1953 e foram, sem dúvida, os primeiros estrangeiros convidados a participarem de um ágape de cogumelos sagrados. Este Ritual, durante o qual os cogumelos frescos, eram consumidos aos pares, após terem sido purificados na fumaça do copal, foi para eles uma verdadeira revelação, porque para Maria Sabina, a "curandeira", tratava-se de um elemento da existência quotidiana, mas também a morada do mistério da Vida.

É melhor dar lugar ao testemunho de R. Gordon Wasson:
"Está escuro. Todas as luzes foram apagadas. Brasas ardem nas pedras da lareira. Madeira de Copal perfumada se consome num caco de cerâmica. Tudo está calmo. A cabana, a choça, fica afastada da aldeia. A voz de Maria Sabina pira na cabana(...) Tudo o que se vê naquela noite se banha na claridade da origem: a paisagem, as casas, os utensílios de uso diário, os animais, tudo é calmamente irradiado pela luz primordial; dir-se-ia que as coisas apenas acabam de serem produzidas pelo criador! Esta novidade total - dir-se-ia a aurora da criação - o submerge e o envolve, o dissolve na sua beleza inexplicável (...) Seu espírito está livre, você vive uma eternidade numa noite, vê o infinito no grão de areia. O que você vê e escuta grava-se na sua memória, é gravada ali para sempre. Enfim, você conhece o inefável, sabe que o é o êxtase! (...) Uma simples planta abre as portas, libera o inefável, traz o êxtase. Não é a primeira vez na história da humanidade que as formas mais humildes de vida dão a luz ao divino. Por mais desconcertante que seja, a maravilha que anuncia merece ser ouvida pelos homens."

Outra experiência de efeitos poderosos foi feita em uma tarde de Outubro de 1960, no jardim de uma casa de campo em Cuernavaca, um jovem e brilhante titular da Universidade de Harvard, come sete cogumelos sagrados que lhe haviam sido dados por um sábio da Universidade do México.
"Durante as cinco horas seguintes, encontrei-me arrastado pelo desfrutar de uma experiência que poderia tentar descrever graças à numerosas e extravagantes metáforas, mas que foi, antes de tudo e sem dúvida alguma, a mais profunda experiência religiosa da minha vida (...) Descobrir que o cérebro humano possui uma infinidade de potencialidades e pode operar em dimensões de espaço-tempoinesperadas me transfigurou por completo; convenci-me, sem qualquer sombra de dúvida, que acabava de despertar de um longo sono ontológico."
Quem fala assim se chama Timothy Leary. Agosto de 1960 assinala a data de nascimento do que se chamará mais tarde, movimento psicodélico, que trouxe à sociedade conseqüências verdadeiramente dramáticas, sobretudo entre a juventude americana...
O Peyote
"O Peyote deu um novo objetivo à minha existência. Antes de ingeri-lo, eu fingia ter um objetivo. Em meu íntimo, não sabia o que queria. Eu vivia numa vacilação contínua. Só o escrever me salvava da dissolução. Agora, sei pelo menos dar nome ao objeto da minha ambição. Sei que procuro a iluminação. Quero tornar-me no que se transformou o príncipe Sidarta sob a árvore da Boddhi". - Charles Duits
O Peyote, ou Lophophora Williamsii, é um pequeno cactos desprovido de espinhos que floresce nas regiões mais áridas do México. A planta se apresenta, rente ao solo pedregoso, na forma de cabeças arredondadas, de cor cinza-esverdeada, que mergulham profundamente no terreno as suas raízes em forma de cenoura.
Os índios mexicanos, consomem o "peyotl" fresco, ou então, pulverizado; neste caso, moem-no em almofariz de pedra, após te-lo secado ao sol e bebem-no com água. O Peyote contém quinze alcalóides, entre os quais a mescalina. O conjunto destes alcalóides atua sobre os centros cerebrais, provocando uma série complexa de manifestações psicofisiológicas. O interesse dos cientistas, médicos e filósofos centrou-se na mescalina, isolada no começo deste século. Essa substância foi a base de grande número de observações e pesquisas, sobretudo no domínio da psiquiatria experimental. Entre os grandes espíritos que fizeram experiências coma mescalina, cito Aldous Huxley, porque que ela abriu "As portas da percepção", (nome de um de seus livros), e Henri Michaux.
No ensaio O Inferno e o Paraíso, Aldous Huxley escreveu o seguinte: "Não conhecemos bem os efeitos fisiológicos da mescalina. É provável (mas ainda não estamos certos disso) que interfira no sistema produtor de enzimas que regulam o funcionamento do cérebro. Deste modo, diminui a eficiência do cérebro como instrumento que concentra o espírito nos problemas vitais na superfície do nosso planeta. A diminuição do que se pode, talvez, chamar de eficiência de acontecimentos mentais, que são normalmente excluídos, pois não oferecem valor à sobrevivência, entrem no campo da consciência... Pode tratar-se, neste caso, de percepções extra-sensoriais. Certas pessoas descobrem um mundo de beleza visionária. Outras, ainda, revelam-se a glória, o valor e o senso infinito da existência nua, do acontecimento dado, sem conceito. Num estado final de perda do ego, há um "obscuro saber", adivinhatório."
Aqui se encontram os segredos das artes sagradas, as chaves da comunicação miraculosa, com o mundo animal e com o dos espíritos, e outros segredos da antiga magia. Ainda hoje (e por quanto tempo), o peyote dá a algumas tribos indígenas das montanhas remotas do México, orientados pelos seus xamãs, estes mesmos animados pela chama da tradição, a sensação de viverem ao nível dos Deuses e de se abrigarem na morada luminosa da Mãe do todas as coisas. O Peyote dá a visão. Todas as energias da biosfera são capazes de transformações ricas em metamorfoses. Todos os fenômenos, cada um segundo sua forma ondulante, são pura vibração de energia cósmica - emanação do poder "sobrenatural".
Jikuri (o peyote) agirá como poderoso impulso, imprimindo à alma o elo necessário para entrar na órbita do sagrado. O Peyote modifica o tempo e o espaço: recria o Espaço Mítico e o Tempo Primordial, o Tempo da origem de todas as coisas. Nesta zona sagrada, impenetrável aos outros membros da comunidade, os mara'akame (xamãs) são iniciados nas grandes verdades transcendentes. Durante o transe eles assistem - às vezes vendo-os projetados num círculo mágico - ao desenrolar dos acontecimentos mitológicos que formam um núcleo da tradição da qual se tornarão depositários.
É preciso acrescentar que a consumação coletiva de Peyote nas comunidades Huicholes conserva todos os caracteres de uma eucaristia. Peyotl = Cervo = Milho. Essa é a trilogia mística, simbólica e operacional sobre a qual repousa a vida social desse povo e que é reativada pela experiência xamânica e pelas grandes festas da aldeia. Se possuir o equilíbrio, essa capacidade única e indizível de se aventurar pela "ponte estreita" que se transpõe o abismo que separa o mundo habitual da "realidade não ordinária", o xamã se realiza na busca do Peyote (aqui, realizar significa que, em si, as forças do Equilíbrio o arrebatam sobre as da matéria, até o ponto que se é transportado e espiritualmente transfigurado no espaço da viagem e do tempo do rito). Ele faz com que seus companheiros transponham sem embaraços, as barreiras do espaço e do tempo, atravessando a Porta das nuvens móveis e os faz subir as montanhas sagradas, nos confins do mundo a Leste, onde os esperam os Espíritos Ancestrais.
Amanita Muscaria
A Amanita mata-moscas, ou Amanita muscaria, é um cogumelo de bela aparência, com chapéu de 8 a 20 cm de diâmetro, de cor vermelho-alaranjada viva, salpicada de fragmentos esbranquiçados. Familiar na Europa, comum em toda Eurásia, e muito difundida, sobretudo na Sibéria, nasce nas charnecas e nas estepes de solo silicoso e brota livremente ao pé das coníferas e bétulas. Ligeiramente tóxica, contém a muscarina e a psilocina, mas a análise destes agentes psicodélicos (pisicoativos) na realidade não deu bons resultados. A Amanita, inicialmente, toma a forma de uma pequena bóia, do tamanho e aparência de um ovo, protegida por um invólucro penugento. Quando cresce, rebenta seu invólucro, surgindo sua pele vermelha e brilhante. Pedaços do invólucro permanecem presos no chapéu, semeando-o de pequenas manchas brancas. A Amanita muscaria, é o cogumelo vermelho de pontos brancos das lendas infantis onde fadas, gnomos e animais falantes povoam florestas mágicas.
Os grandes viajantes do séc XVIII que estiveram na Sibéria, por exemplo, o Abade Prèvost (autor não só de Manon Lescaut, mas também de uma História das Viagens) descrevem os xamãs presos da embriaguês amanítica. Deve-se notar que não apenas os humanos que a consomem pois, no Grande Norte, as renas - às quais a vida das tribos nômades está tão intimamente ligadas - apreciam muito as amanitas.
No começo de um estudo extremamente minucioso dos textos do Rig-Veda, que celebram os rituais e crenças dos primeiros invasores arianos do norte da Índia e foram a base da cultura brâname, R. Gordon Wasson, saído da sua experiência mazateca e das suas luzes sobre o xamanismo siberiano, resolveu o enigma no qual os comentaristas tradicionais e os sábios de todos os lugares destacaram: o da origem do Soma,aquela bebida sagrada e divinizante.
"Quando li o Rig-Veda, fiquei plenamente seguro de que os sacerdotes-xamãs arianos, com tons de um lirismo pungente, divinizavam a amanita muscaria da taipa siberiana, cogumelo alucinógeno de virtudes psicodélicas. A Amanita Muscaria era o ingrediente da poção mágica, a beberagem sagrada de toda a Eurásia". (Em Qu'etait le Soma des Aryens in:La chair des Dieux, ele, R. Wasson, tem a coragem de apostar que a ambrosia do Olimpo, composta de hidromel e néctar, recorria, para o segundo ingrediente, ao mesmo tipo de farmacopéia.) Estas não são mais a reunião lenta de indícios, o acúmulo de provas e o trabalho a resolver um problema até então obscuro.
Quem conhece os cogumelos sagrados compreenderá a mais famosa estrofe do Rig-Veda:
"Nós bebemos o Soma, nos tornamos imortais, nos transformamos em luz, encontramos os Deuses. Quem pode, doravante, nos prejudicar e que perigo nos atingir? Oh, Soma imortal!"
E Wasson termina seu ensaio Qu'était le Soma des Aryens com uma meditação muito audaciosa. Sugere que o arquétipo da Árvore da Vida, e o da planta mágica nasceram no cinturão florestal da Eurásia em tempos imemoriais - que se confundem, talvez, com os tempos originais da espécie humana. Em seguida, lembra que os homens da Suméria descendiam do Norte, que seu herói legendário, Gilgamesh, está envolvido numa história de planta maravilhosa guardada por uma Serpente. Por último, observa que os semitas do Crescente Fértil estavam intimamente mesclados com os sumerianos.
E pergunta: "A Serpente do Gênese não será o mesmo Espírito da Terra encontrado na Sibéria? A Árvore da Vida não será a lendária bétula, que não é senão o Soma, a Amanita Muscaria, a carne do Deus?"
O Yage
O Yage (Banisteriopsis caapi), é uma liana da família das malpigiáceas. A planta é consumida em toda a Amazônia e nas regiões montanhosas do Peru e do Equador, onde se chama Ayahuasca. Um alcalóide cristalino foi isolado do yage em 1923, recebendo o nome de telepatina.
Embora a existência do Yage fosse conhecida da ciência ocidental desde o século XIX, foi preciso esperar até o último decênio para se dispor de dados etnográficos provenientes de trabalhos realizados no local. A natureza desta planta mágica e a posição preponderante que ocupa no seio do "cosmos amazônico" são agora mais bem conhecidas.
Fascinante, alternativamente qualificada de paraíso terrestre e de inferno verde, a floresta amazônica oculta, sob estes chavões, uma terrível realidade: o aniquilamento físico e cultural de comunidades indígenas, sacrificadas aos interesses da civilização branca. A mensagem que nos enviam estes seres paramentados para a festa pode revelar-se muito mais preciosa: Testemunha uma certa perfeição da integração do homem com seu ecossistema e de um conhecimento íntimo dos segredos da matéria e da vida.
Os índios Tucano tomam o Yage de preferência em sua casa (maloca), onde a festa dura desde o crepúsculo até o amanhecer,à luz de uma tocha. A festa tem todas as características de um ato total, de um happening ritual. O corpo é pintado e ornado de plumas, os homens conversam e cantam, ou então dançam todos juntos. A música é obsecante, alucinante. A trompa de cortiça soa. Ingere-se a beberagem. Dança-se. Repousa-se por instantes. Sobrevêm as visões... Soa novamente a trompa e todo o processo recomeça... Toma-se, assim, de seis a oito taças numa noite, de diferentes liberações de cerveja e milho. À medida que o efeito do Yage aumenta, os movimentos dos dançarinos ganham em precisão e coordenação "até o ponto em que todo o grupo parece formar um só corpo que se move com uma precisão miraculosa num ritmo que ele controla". Nesta estrutura solene, tem lugar os transes e visões rituais. Aqui, a viagem psicodélica (pisicoativa), íntima a cada um, é ao mesmo tempo substancialmente a mesma para todos.
"Após uma fase de luz muito viva, na qual formas e cores estão em movimento, a visão se clarifica e toma sentido em certos detalhes reconhecíveis. A Via Láctea aparece e, longe, a luz solar, fonte da vida. A primeira mulher surge das águas do rio e o primeiro casal ancestral se forma. Vê-se o Senhor dos Animais da selva e das águas, os ancestrais gigantescos da caça, as origens da planta. O perigo original se manifesta: serpentes e jaguares, que ameaçam o caçador solitário, espíritos da selva que o acompanham. Ouvem-se vozes, percebe-se a música da aurora do mundo, vê-se os ancestrais dançarem na manhã da criação. Conhece-se a origem dos enfeites da dança, os instrumentos musicais e dos rituais (...) Para além destas visões abrem-se novas "portas". As portas da luz abrem-se na noite para outras dimensões." Le chair des Dieux (op. cit.).
O desenho feito sobre o vaso de Yage é chamado gorosiri: lugar de origem, matriz e também lugar do retorno, da morte. A pessoa se identifica com um falo que penetra na cavidade materna, refaz inversamente o caminho do embrião e se dissolve no cosmos. Bem mais que para o adivinho Édipo, o incesto é, aqui, iniciático. Simbólico, ou se quisermos sutil, o ato se cerca de regras que lhe garantem o caráter sagrado - e a segurança. O passo do iniciado neste universo pré-histórico parece ser o movimento primordial de onde surgirão o Tantra e o Tao nas grandes civilizações da Índia e da China. O retorno à origem é uma morte às avessas - que podem ter todas as aparências de morte, se houver um transe - seguida de um renascimento - "num estado de sabedoria", dizem os índios.
O Álcool
Seja qual for a sua forma, cerveja, cachaça, uísque, vinho, aguardente destilada, o álcool parece ser a droga mais importante do ocidente, onde seu uso às vezes toma a forma de verdadeira toxicomania. Mas nos esquecemos que as sessões de bebedeira dos guerreiros celtas ou escandinavos tinham sua ordenação. Eram sagradas e dedicadas aos Deuses. A cerveja, preparada em enormes caldeirões, era objeto de uma consagração ritual. Ernest Junguer nos dá uma abordagem profunda à bebedeira ritual dos antigos germanos. O grupo de guerreiros bebe no corne, que circula ao redor do fogo: "Agora, o mundo exterior também se torna mântico, pleno de presságios. Os ruídos que vem de fora se transformam em batidas, em anunciações. O ouvido escuta até por trás dos sons, o uivo dos cães, o grito das aves, adquirem um poder profético. O olhar se transforma, trespassa as paredes e até mesmo as do acontecimento, para penetrar bem longe no futuro".
Quanto ao vinho, basta evocarmos, ainda com Junger, as festas tradicionais da vidima e da poda da vinha. "A verdadeira virtude do vinho, sua força mágica, revela-se no retorno, nas festas periódicas dos paises vinículas. Elas são celebradas quando a vidima terminou e o sol se despede da Terra - e mais fogosamente ainda quando volta para expulsar o inverno. Inspiração e expiração imensas. O vinho não mais é retirado das adegas em garrafas ou em cântaros, corre em caudais dos tonéis, verte das fontes - o ar está repleto de fermentação.
O Louco passa a reinar sobre o mundo - eco, distante, reflete os tempos arcaicos em que os Deuses vinham à nossa casa para sentar-se à nossa mesa. O grande Pã se aproxima. Uma azáfama de gnomos, junto à terra, une-se às altas iluminações".
O Tabaco
O Tabaco é uma planta da família das solanáceas, de caule reto e folhas largas. O seu princípio ativo é um alcalóide, C-10, H-14, N-2 , a nicotina. Existem mais de dez espécies de tabaco. A Nicotiana Rustica era a mais difundida ao Novo Mundo na época da Conquista. Em todos os continentes, os índios consideram o Tabaco como uma das mais importantes entre as plantas mágicas e medicinais. Planta Sagrada, cujo uso também é ritual. "O ato de fumar lembra ao homem sua origem e celebra a unidade do cosmo harmonizando a Terra e o Céu." Em certas condições, aquele que fuma pode atingir estados de "realidade não ordinária", e uma ampliação do campo de sua consciência.
O Tabaco pode ser mascado, aspirado pelo nariz ou bebido em cocção. É consumido puro ou em associação com outras plantas; fumado em charutos e em cachimbo. Nos rituais indígenas, é bastante usado, puro ou em associação com outras plantas fumado em cachimbos bem grandes. Inútil discorrer sobre os malefícios que seu uso traz à humanidade... todos já sabemos isso atualmente. O cachimbo simboliza a harmonia do universo, é um instrumento ritual que permite a pessoa comunicar-se com as forças sobrenaturais, com os espíritos e com todos os seres do céu e da terra.
O Profeta Sioux Alce Negro, deu as chaves da magia ritual do cachimbo sagrado entre os índios da planície; as quatro fitas que pendem do tubo do cachimbo representam as quatro direções do universo. Enquanto a pena de águia representa a unidade do conjunto e o zênite, rumo ao qual o espírito dos homens deve ascender, como a fumaça azul sobe ao céu, ou como a águia ganha as alturas. O ato de fumar o cachimbo permite uma comunicação privilegiada com o céu e a terra, e todos os seres vivos, seus filhos, "tenham eles pés ou raízes". Ele instaura um elo sagrado entre os que o realizam em comum.
O charuto: As observações atualmente realizadas dentro de uma cultura indígena que pratica o xamanismo baseado no tabaco como um dos veículos da experiência estática, visionária e adivinhatória - e também como uma arma mágica e meio terapêutico - nos fazem ver que o mito e o ritual recobrem uma realidade que se grava em todas as células do corpo do experimentador e que a grande abertura do espírito é acompanhada da aquisição progressiva de faculdades "paranormais", ou poderes mágicos. Tomemos como exemplos os índios Warao do delta do Orenoco, na Venezuela, que fumam charutos de 50 a 75 cm de comprimento. O invólucro, feito de epiderme do caule da palmeira manacá contém, firmemente enrolados, várias folhas de tabaco preto aspergidas da resina perfumada do cucuray ou árvore shiburu. Não é raro misturar-se grãos de incenso ao tabaco.
No Brasil, nas sessões umbandísticas utilizam-se charutos como propriciador de estados adivinhatórios. Como acontece quando do consumo ritual de outras substâncias de efeito psicoativo, o êxtase xamânico é a resultante, por um lado, da ação conjugada da ascese e da planta e, por outro, da programação cultural comunicada pelo ensinamento tradicional. A iniciação representa a finalização de uma profunda relação de mestre para discípulo. Ao fim de uma longa instrução por um xamã experimentado, o neófito empreende o jejum decisivo: canta os cantos, que seu mestre lhe ensinou e, chegado o momento, fuma o charuto que este lhe estende - os próximos, ele próprio os enrolará.
Então, em estado de êxtase, o neófito aprende a subir ao zênite e, de lá, a caminhar ao longo de uma das rotas do arco-íres que conduzem à extremidade do cosmos (um dos pontos cardeais). Depois, num dos maciços de montanhas mágicas, que sustentam, como quatro pilares, a abóboda celeste, reencontra seu espírito aliado - e a casa de fumaça preparada para ele, por toda a eternidade... Daí por diante, sua vida será dupla: neste mundo, e do "outro lado" da realidade, sobre uma vertente visionária que não é menos real que este, e representa, ao mesmo tempo, a essência do espírito do seu povo e uma fonte inesgotável de energia mágica pessoal.
As viagens iniciáticas são iguais em toda a parte do planeta e certamente não é por acaso que, do Livro dos Mortos Tibetano às narrativas amazônicas, as aventuras do ser que estão descritos apresentam tantos pontos em comum. Simbolismo vivido do arco-íris e conhecimento da clara luz.
Por todo o território da América do Sul indígena, a viagem comporta, em geral, provas de equilíbrio acima de abismos aterradores, de reencontro com forças selvagens encarnadas por animais ferozes e, muitas vezes, passada a "porta que se fecha automaticamente com a rapidez do relâmpago, a revelação de Serpente Emplumada.
Entre os Warao, o mito da origem descreve a iniciação de um menino de quatro anos: "Um dia, um homem e uma mulher apareceram no centro da Terra. Eram bons mas seus espíritos eram toscos. Tiveram um filho, e que aos quatro anos mostrava uma inteligência prodigiosa. Pensava em muitas coisas. Nesta condição, acabou por pensar no lugar hoebo, que fica a oeste, com odor de cadáveres de sangue e de obscuridade. Portanto, devia haver qualquer coisa a leste, disse a criança para si mesma, alguma coisa de luz e de cores". E decidiu ir para o universo. "Se bem que o corpo do menino fosse bastante leve, ainda assim era pesado demais para voar. O menino pensou nisso longamente, até que um dia pediu ao pai que empilhasse lenha suficiente para o fogo sob sua rede. Durante quatro dias não comeu nem bebeu. Na noite do quinto dia, acendeu a lenha com um fogo virgem e adormeceu. Então, com o calor e a fumaça do fogo novo, o espírito do menino subiu ao zênite. Alguém se dirigiu a ele e disse: - "Segue-me, vou mostrar-te a ponte que conduz à Casa da Fumaça do leste".
Em breve o menino encontrou uma ponte feita de grossas cordas de fumaça de tabaco. Seguiu o invisível espírito conselheiro até à ponte onde, a pouca distância do centro da abóboda celeste, fileiras de flores maravilhosas começaram a vibrar ao longo da ponte num arco-íris de cores irradiantes - vermelho e amarelo à esquerda, azul e verde à direita. Uma doce brisa fazia ondular as flores. Como a ponte, as flores eram feitas de fumaça de tabaco solidificada. Tudo era brilhante e tranqüilo. O guia invisível impeliu o menino na direção da Casa de Fumaça. De longe, ele já ouvia o canto dos baharanao (espíritos). A ponte conduzia direto à porta da Casa de Fumaça a leste. O menino chegou ao umbral da casa, ouviu a música maravilhosa e sentiu-se transportado de alegria. Só queria entrar, imediatamente.
- Diz-me quem és, perguntou uma voz no interior.
- Sou eu o filho de Warao.
- Que idade tens?
- Quatro anos. (um número ritual e simbólico)
- Podes entrar, aquiesceu o Pássaro criador.
Fora o bahana (o espírito) supremo, que lhe fizera as perguntas.
Ele disse:
- Tu és puro e não conheceste mulher.
O menino entrou na Casa de Fumaça. Saudou o Criador pássaro da aurora e seus quatro companheiros que saíram de seus aposentos. Parou diante da mesa coberta de uma toalha branca e viu os quatro pratos do jogo de bahana e, colocadas em cima, as armas. Quis saber tudo sobre estas coisas:
- Qual delas gostaria de ter, perguntou o bahana supremo.
- Todas elas: o cristal, os cabelos brancos, as pedras, a fumaça e também o arco e as flechas.
O menino era, na verdade, muito inteligente.
- Todas serão suas.
- Agora, ensina-me teu belo canto.
Então, do chão da Casa de Fumaça, o menino viu surgir a cabeça de uma serpente, dotada de quatro plumas coloridas: branca, amarela, azul e verde. E as plumas emitiam uma nota musical como fazem os sinos. Projetando sua língua bifurcada, a Serpente Emplumada emitiu uma bola de fumaça de tabaco, de uma brancura irradiante.
- Eu conheço bahana! - bradou o menino.
- Agora o tens, disse o bahana. Tu és bahanarotu. A serpente se retirou, os insetos-companheiros retornaram aos seus aposentos e o menino saiu do transe estático".
O "abre-te sésamo" da casa mágica é o conhecimento de si. A mensagem dos Warao une-se à Sócrates e dos patriarcas Zen: "Conhece a ti mesmo", ou então "Qual é o teu rosto original"? Quer surja o "Criador pássaro da aurora", a Esfinge ou o Dragão, a mesma pergunta atravessa a humanidade de era em era: "Quem somos nós?" Da resposta a esta pergunta, do campo infinito de experiências de que ela se constituiu, jorram Como faíscas de um fogo, toda sorte de poderes, dentre os quais o de "ver", de apreender o mundo intuitivamente, como feiticeiros, como adivinho, como sábio.

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